"O som ressoa pelas águas geladas e subterrâneas" O som que ressoa pelas águas subterrâneas é oriundo da luta que aconteceu numa segunda cena, mas que se transforma agora em casamento, gerando uma terceira substância, comum aos elementos que formam a díade envolvida nessa batalha. O Mercúrio dos FilósofosA morte dos componentes em luta, e concomitante união entre eles, conforme dito anteriormente, permite a manifestação de um espírito, e este espírito é representado como uma água, pois na linguagem alquímica o espírito é uma água.
Assim, na luta do Cão Corasceno com a Cadela Armênia, depois de um duro combate, os dois morrem e se transformam em uma ‘única coisa’, que recebe o nome de “água”. O mesmo tema se repete em O Triunfo Hermético, no qual é dito que duas Serpentes "matando-se, sufocam-se em seu próprio veneno, que as transformam, após sua morte, em água viva e permanente" (DIDIER, 1976 p.173). Basilio Valentin, em As Doze Chaves da Filosofia, fala de uma preciosa água confeccionada com grande afinco e cuidado, “por meio da luta e combate entre dois campeões”, ou seja, duas matérias opostas, que se incitam mutuamente, uma tentando destruir a outra. A água resultante desse embate é uma água pura e cristalina, livre de impurezas, como as águas das fontes subterrâneas, o que explica a analogia bastante comum do espírito com as águas que correm no fundo da terra. Sobre isso, diz Basilio Valentin (1976, p.45): “Mas, meu amigo, prevê diligentemente, de forma que a fonte da vida seja encontrada pura e clara. Nenhuma água estranha deve ser misturada à nossa fonte”. Essa substância sutil, volátil e clara, também chamada de prata-viva, tem as propriedades do elemento químico Hg (mercúrio), que por sua vez é designado como água, pelo seu estado fluido e de fácil evaporação. Embora relacionada ao elemento químico mercúrio, que tem a propriedade de retirar as impurezas dos metais, e revelar sua natureza oculta, a água que flui dessa fonte não se refere ao mercúrio comum, mas ao Mercúrio Filosófico. Irineu Filaleto, em Um Breve Guia ao Rubi Celestial, assim se refere a ela: “Nosso Mercúrio é, de fato, uma água pura, limpa, clara, brilhante e resplandecente, digna de toda admiração” (FILALETO, 2018b, p.27). Procurada por muitos, e encontrada por poucos, essa Água Clara, chamada também de Água da Vida, ou Primeira Água, não é uma água proveniente das nuvens, ou da fonte vulgar, mas da bendita fonte, de onde jorra como um espírito ardente e penetrante. Chave oculta da Arte, sem ela, toda a Obra é inútil.1 A busca do alquimista consistia então em descobrir mais acerca dessa água, ou espírito, a coisa divina presente em toda forma de vida. É o que diz o Rosarium Philosophorum, ao pedir para não nos preocuparmos com coisas vãs, mas apenas com a Água, como fez Syd Barrett, em Astronomy Dominé. No Livro Vermelho há uma referência a ela na passagem em que Jung desce em uma caverna escura, onde escuta o rumorejar de uma fonte. Uma voz então lhe diz: “Aqui estão meus poços, sábio ficará quem deles beber” (JUNG, 2013, p.175). Percebemos então que a aqua permanens, chamada também de nossa água, é o Mercúrio que os Filósofos buscam, e que evoca a ideia gnóstica de um deus oculto na matéria, o Deus Terrenus, ou Deus Absconditus. E assim, do mesmo modo que o mercúrio penetra as substâncias, o alquimista flutua para baixo, em busca dessa água divina e maravilhosa, escondida nas profundezas. Para encontrá-la, terá primeiro que passar por um processo de dissolução do ego, simbolizado pela dura batalha, que leva ao sacrifício de si mesmo, condição para a retificação e retorno de forma renovada do fundo da terra. Nota: 1 Saint-Didier fala de uma verdade proferida por Hermes, segundo o qual "nossa água é uma fonte viva, que surge da pedra, por um milagre natural de nossa Filosofia". Como diz o autor, essa "água", que possui diversos nomes, é o fundamento da arte, justificando assim sua importância. Cf. O Triunfo Hermético, p.148. De forma semelhante, para Filaleto, “tudo o que você precisa fazer é encontrar esta água”, confirmando a relevância do tema, presente em Astronomy Dominé. Um Breve Guia ao Rubi Celestial, p.28.
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