"Sozinho nas nuvens tão azuis" QuintessênciaA Alquimia adotou o pensamento aristotélico de que todas as coisas existentes no mundo são compostas pelos elementos terra, água, fogo e ar, termos esses que não se referem às substâncias conhecidas por esses nomes, mas à forma como a matéria se apresenta aos sentidos. Porém, além desses quatro elementos, relacionados aos estados sólido, líquido, gasoso e sutil, e às operações alquímicas coagulatio (terra), solutio (água), sublimatio (ar) e calcinatio (fogo), há um quinto elemento, de natureza etérea, ou espiritual. Trata-se da quintessência, também chamada de Céu. A quintessência (quinta essentia) é o vínculo entre os elementos, ou, em outras palavras, o sopro vivificante presente em todas as coisas. Essência celeste e puríssima substância são outras formas de se referir a esse quinto elemento, cuja natureza não é física, mas espiritual, ou psíquica. Extraída pelo fogo, a quintessência recebeu o nome de éter, cuja etimologia significa “eu queimo” (aitho, em grego), por isso os filósofos antigos diziam que tudo que queima deveria ser chamado de éter, ou ar no fogo (não por acaso, para Basilio Valentin o fogo não pode existir sem o ar, assim como o ar não pode existir sem o fogo). Quanto a cor, a quintessência é associada ao azul, como as nuvens de Flaming1, pois azul é a tonalidade do céu, o nome da substância oculta no homem como uma “verdade secreta”, ou a “virtude mais elevada” (JUNG, 2012b). Segundo Robert Fludd (2007), esse céu, ou atmosfera espiritual, será libertado pela ação do fogo, como um “espírito flamejante”. Assim, Flaming traz em seus versos iniciais o resultado da calcinatio, o fogo flamejante, responsável pela sublimatio, ou ascensão espiritual. A forma mais primitiva dessa experiência está no êxtase xamânico, no contato com deuses e forças sobrenaturais, ou quando se transcende as leis da natureza. Quanto a isso, Mircea Eliade (2000a), em Mitos, Sonhos e Mistérios, fala de uma nostalgia comum ao ser humano de sentir o seu corpo tornar-se espírito, ou seja, um desejo recôndito de vê-lo transmutar-se, passando de uma modalidade corporal para uma modalidade espiritual. O grau de liberdade alcançado quando se atinge esse nível de experiência, uma forma de voo mágico, é representado pela imagem do corpo que se incendeia, transcendendo-se a si mesmo. Por isso, em sua estrutura mais íntima, o homem deve incandescer até o mais alto grau, pois dessa forma a impureza é consumida, e a quintessência, o éter, ou o céu interior, é finalmente encontrado. Conforme inscrição alquímica, citada por Fulcanelli (2006, p.291), em As Moradas dos Filósofos, essa é a hora de dizer, aos brados: “O céu é meu!”. 1 Este verso da música, com Syd Barrett envolto em nuvens azuis, traz um tema presente no Fausto II, na parte em que o personagem é suavemente trasportado por nuvens, “na clara luz do dia, por sobre terras e mares”, ao seguir para sua empreitada final no Grande Mundo. As palavras são de Mefistófeles: “Aproveita a graça inestimável que te cabe e eleva-te nos ares: veloz, ele te levará para além de tudo o que é vulgar, rumo ao éter, até onde suportares!”, p.391 (trad. Flávio M. Quintiliano). Segue-se a este episódio, em que é levado por “carros de nuvens”, um momento na abertura do próximo ato no qual Fausto contemplará a seus pés a solidão mais profunda, modo como Syd Barrett se apresenta nesta música. |
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