O Spledor Solis, ou Esplendor do Sol, escrito por Salomon Trismossim, em 1582, adepto e mestre de Paracelso, traz um conjunto de 22 gravuras que ilustram de forma iluminada as etapas da Obra, todas elas "envoltas em uma atmosfera de sonhos povoados por personagens de gestos rituais, que se beneficiamde um mistério cujo cerimonialfoi consagrado ao esplendor do sol” (LENNEP, 1978, p.70)
As gravuras desse enigmático breviário, "um presságio do surrealismo", como disse J. van Lennep, em Arte y Alquimia, livro riquíssimo cujo propósito foi abordar o aspecto artístico das obras alquímicas, apresentam relações com as músicas de The Piper at the Gates of Dawn.
A primeira delas está na capa vermelha e preta usada por Syd Barrett em Bike, e na túnica escarlate dos gnomos, em The Gnome.
Personagens trajando roupas dessa cor costumam aparecer no decorrer da obra, principalmente em seus estágios finais, pois o vermelho é a cor da tintura, sinônimo da Pedra. Esse tema aparece na prancha em que um homem enegrecido recebe um manto vermelho da Rainha branca. Através dela, o que é escuro como a noite, tornar-se-à vermelho como a aurora nascente .
A respeito dessa preciosa ilustração, cujo texto exorta-nos a transformar os corpos em espírito pela dissolução, e as coisas espirituais em corpo através da ebulição, Lennep (1978) ressalta que o homem vestido de púrpura indica o surgimento da Pedra Vermelha, depois da putrefação (nesse sentido é bastante pertinente que o preto esteja acompanhado do vermelho na capa a qual se refere Syd Barrett).
O personagem que recebe o manto está saindo de um rio de águas escuras e sujas. Essa travessia é uma imagem da transformação, concomitante à travessia das águas, onde se dá a renovação, como em Matilda Mother, inspirada nos contos de fadas e histórias infantis.
Nessa música, há um rei que governa a terra, como o Rei coroado, do Splendor Solis, sentado em seu trono real, no detalhe inferior de uma das pranchas. Em outra, aparece com destaque dentro de um vaso alquímico, vestido de vermelho. Quanto ao riacho, representado em mais de uma cena, o texto original refere-se às suas águas como vindas do alto e infundidas no ventre da terra como uma semente fecunda (LENNEP, 1978), o que nos remete à água subterrânea, verde como a natureza, no início de The Piper at the Gates of Dawn.
Os “mil cavaleiros nebulosos”, que fazem Syd Barrett voar até as nuvens, nos remetem ao misterioso cavaleiro, com sua armadura ornamentada de ouro, sob um imenso céu azul. Portando um escudo com inscrições enigmáticas, sua cabeça está rodeada de estrelas, e seus pés se apoiam em uma fonte cujas águas vertem para dentro de um córrego.
Em outra prancha o cavaleiro, agora sem armadura, surge com a espada em punho, segurando uma cabeça decepada, diante de um corpo esquartejado, estendido no chão.
Uma prancha bastante pertinente, na qual se percebe elementos presentes em Flaming, traz uma caldeira sendo acesa, com um homem (Saturno) dentro e um pássaro pousado na sua cabeça. Vemos ali o motivo arquetípico da ascensão da alma através do fogo. Outra imagem relacionada é a do rei em uma fogueira, onde flameja com sua veste vermelha.
Merece destaque o grupo de crianças brincando e se divertindo, uma referência à infância, mote de The Piper at the Gates of Dawn, presente também na imagem do menino dentro de um crisol, alimentando um pequeno dragão, e na figura das duas crianças nuas, como objetos de adorno, cujas feições mostram a pureza de quem está vagando com seu ar infantil.
Outras correspondências envolvem o tema da luta (Astronomy Dominé), como a batalha entre camponeses e cavaleiros, na prancha dedicada a Marte, deus da guerra. Nota-se que todos os personagens dessa gravura estão em atitude beligerante.
Há ainda o tema da música (Take up thy Stethoscope and Walk), e de animais como macaco (Pow R. Toc H.) e ganso (Bike), desenhados nas bordas que emolduram a imagem principal com motivos naturalistas.
Ressalta-se, por fim, as pranchas com os vasos herméticos, junto com sete símbolos da opus alchimicum, representados por sete planetas e seus respectivos deuses, cada um localizado no topo da imagem correspondente. São eles, Vênus, Saturno, Júpiter, Marte, Apolo (Sol), Mercúrio e Diana (Lua). Em Astronomy Dominé há referências a sete corpos celestes, associados aos sete planetas alquímicos. Com seu amplo significado simbólico, o número sete, capítulo no qual estão os portões do amanhecer, em The Wind in the Willows, consta na música de abertura do disco, através dos referidos corpos celestes, bem como nas sete pranchas com vasos da obra de Salomon Trismossin.
Depois de todas essas alegorias, que simbolizam a confecção do ouro, o Splendor Solis termina com a última prancha anunciando a aurora, ou seja, o nascimento do sol, com todo seu esplendor.